terça-feira, 29 de julho de 2008

Ancorado no tempo

Às vezes quando penso que já passaram vários meses fico abolido. Parece que foi ainda ontem. Continuo com o mesmo pensamento ao acordar, durante o dia, ao adormecer e nos sonhos. O tempo passou mas o coração estancou. Sinto-o ancorado lá naqueles dias. Preso ao fundo do mar de paixão, ancorado em duras rochas de memórias que teimam em não ceder. Não fui mais o mesmo homem mas continuo o mesmo desde que mudei. Preso ao tempo e à esperança de que tudo tenha sido apenas um sonho mau. Muita da tranquilidade de homem feliz que eu era foi-me retirada agora que descobri o que são essas coisas míticas do amor e da paixão. É um viver de tormentas, um sobreviver às tempestades de emoções que nos assolam a todo e qualquer momento, tempestades que começam no bater de asas mais leve de uma borboleta. Arde mesmo sem se ver, e onde queima deixa marca e dor. Cicatrizes que às vezes não nos deixam saborear o desenrolar da história da mesma forma.Repousava agastado no meu leito suave havia já perto de uma hora. Perdido em pensamentos e desejos fazia o sono fugir de mim. A cama não me quer agora e eu não quero a cama. A minha alma exaltada com pedidos de desejos sem resposta fez-me saltar da cama para fora. Sou um apreciador do silêncio. A noite é quem melhor o deixa sentir. Abrindo a porta de casa saio a espreitar a rua. Sinto-me inebriado por este doce sossego que tão bem me acalma. É saboroso como poucas coisas, valioso porque não é cortado pelas correrias e movimento que o dia tem. A noite na melancolia do seu mistério sabe ser deliciosa para quem a aprecia, para quem a degusta como eu sentado no chão frio. Sou um ser solitário nestes segundos, nestes breves momentos que o relógio bomba conta dentro de mim e sinto-me extasiado neste clímax de paz. A natureza quando é ela própria pura tem um sabor inigualável que regenera a tormenta da alma mais sofrida.Basta olhar em volta os pequenos elementos para me sentir tão bem nesta quietude. Lá no céu, bem lá no alto, brilha uma lua que faz desta noite quase um dia. Uma lua orgulhosa e oponente que quase ofusca as pequenas estrelas que procuram o seu lugar ao sol. A noite tem um simbolismo maravilhoso. As pequenitas distantes dão o seu melhor para se fazer notar nesta noite em que a lua traz o rei na barriga, mas estão lá e vêem-se. Por entre aqueles pequenos brilhos eu sonho que algum deles é o brilho da minha imagem na cabeça dela. Sonho acordado que ainda mexo com ela, que ainda sou especial para ela, que apesar de estar distante ainda ocupo o seu coração de mulher. Sonho um sonho agora impossível em que poderemos ser um só novamente, poderei falar de nós e já não só acerca de mim e dela de forma separada. Sonho sonhos que em vez de me alegrarem me fazem ainda mais triste nas minhas lágrimas de saudade e distância. Até as estrelas me dão a falsa esperança de que este pode ser um mundo melhor.Vem-me à memória a Barcaça Serrana. Um elemento especial e marcante. Observo aquele passeio em câmara lenta, como sempre vemos as duras imagens do passado, devagar para doer mais. Amanhã passo lá e já não recordo sorrindo, choro recordando. O que era antes a minha maior felicidade é agora a inveja daqueles pares de amantes que de forma intensa aproveitam os seus momentos juntos. O brilho que o rio exalará na noite brilhante, imune à desgraça alheia, trará até mim uma vontade de o abraçar.Um risco de luz rasga o céu como um fósforo que se acende e instantaneamente se apaga. O céu brindou-me de forma generosa com uma estrela cadente. Peço um desejo? Não preciso formalizar em palavras as fortes vibrações que o meu fraco coração emite no seu bater choroso e cansado. A estrela que acabou de cair leu-me o estado da alma como um código de barras e levou consigo toda a minha intenção, todo o meu desejo. Ela sabe o que sinto e o que preciso. Sei que não mo trará mas não lhe ralho. Tenho consciência de que por muito sentimento meu que ela leve nunca terei um feedback à altura. Não me chateio. Não a censuro. É sua função apenas levar os nossos sonhos bem altos para que os vejamos pendurados no astral todos os dias. O caminho que lá nos leva a esses sonhos temos que ser nós a percorrê-lo, tem que ser o destino a encaminhar-nos para lá.Obrigado noite. És tu quem acolhe os meus sonhos e aspirações. És tu quem ouve os meus pensamentos felizes e as minhas reflexões amarguradas. Não és a minha deusa, (que essa é linda, tem nome de gente e fala comigo ternamente como se fosse minha mãe, que belo amor platónico lhe tenho também), mas, tal como a calorosa praia, és uma musa inspiradora que me espreme os sentidos neste sumo de letras. És sossegada e tão recheada. Fazem parte de ti os latidos dos cães, os cantares dos galos madrugadores. Do meu cão não, que esse já não ladra, já morreu, já deixou o cilindro do tempo passar por sobre ele, mas a minha casa e a minha terra não deixam de me acolher como sendo minhas só porque os cães que ladram não são os meus. Trazes também contigo a rebeldia do mar revolto que se ouve a quilómetros, mas embalas-me neste néctar terreno de raros momentos que me fazem voltar aqui amanhã. Tenho o rabo quadrado. Tu noite marota, deixas-me aqui perplexo a contemplar o teu delicioso sabor e fazes-me perder a noção do tempo. És uma sereia que me enganas com o teu canto. Mas eu acordei da tua hipnose, tenho o rabo quadrado e já me dói do chão duro. Levanto-me e enchendo o peito tomo uma última golfada do ar puro que só esta terra dá. A minha cama já chama. Está confortável e acolhedora como sempre. Relembrando os desejos e sonhos que entreguei àquela estrela perdida, armo-me em estratega e planeio a melhor maneira de lá chegar. E às vezes não há melhor maneira de lá chegar do que entrar directamente dentro deles. Estou leve e já não sinto o corpo. Vagueio livremente sem a força gravitacional que a realidade nos impõe. Sou um homem livre neste mundo dos sonhos. Livre e triste, porque ela não está a meu lado. Mas… ali vem ela… Vejo caracóis loiros que esvoaçam em volta da face de um anjo sorridente, ela vem ter comigo e está feliz pelo reencontro. Quase tanto como eu. Aquele sorriso mútuo envolve-nos mais que qualquer beijo. O coração dispara na sua inocência comandada. Inevitavelmente acordo sobressaltado. Acordo sozinho e solitário. Revoltado por mais uma das milhentas ilusões cerro com força os punhos e os olhos, com a raiva de quem gostava de poder controlar os seus sentimentos. Um minúsculo som isolado faz-se ouvir no meio daquele silêncio ensurdecedor de tormenta. Do risco brilhante que tenho na face deitada, uma lágrima caiu-me na almofada… outra vez.Estas ilusões matam-me. E mata-me também perceber às vezes que talvez viva apenas apaixonado pela paixão, agarrado à imagem de uma mulher que se calhar já não existe ou nunca existiu. Nem gosto de pensar nisso. De que me vale querer tanto conquistar o seu coração se não tenho a chave mestra para o abrir? Quero um cofre inviolável que esconde um tesouro mais que valioso, mas perdi a sua chave na esfera do tempo, na procura amargurada, assustada e de razão perdida, de uma razão, de uma explicação para o mistério da alquimia do amor. Estas cruéis ilusões que me tiraram tanta vida própria, dão tantas vezes vontade de acabar com a própria vida quando me olho ao espelho e desejo sentir-me desejado. Uma vontade suplantada apenas pela esperança dos sorrisos que me rodeiam, que me fazem acreditar que o amor espreita algures por aí perdido numa esquina à minha espera, que outros doces e suaves lábios não perdem pela demora de tomar o sabor destes lábios ardentes e sedentos de paixão.Demoro tempo a acalmar, a recuperar o sono de novo e a encarrilar nele até voltar a não sentir. Daqui a umas horas acordo e sigo a minha vida fingindo que sou de pedra, que não se passa nada comigo, que nunca se passou, que nunca chorei, que não tenho sentimentos, que me preocupo mais com os problemas dos outros do que com os meus. Acordo ou não. Não sei, sabe Ele. Sabe Ele e manda Ele, eu, a marioneta, obedeço, cumpro, sigo o trilho, não sou mais nem menos que ninguém. Simplesmente estou ancorado no tempo. E hei-de estar também até que Ele queira. Quem é Ele? Não sei, se soubesse apertava-lhe o pescoço…

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